sábado, 23 de maio de 2009

O meu Prozac


Costumo dizer que o meu filho é o meu Prozac.
Além das óbvias vantagens sobre o medicamento, tem ainda outras: nunca me esqueço de o tomar, tenho direito a várias doses por dia, detesto tomar medicamentos (tenho de partir um simples comprimido de ben-u-ron em dois para o tomar), mas às vezes tenho de engolir o meu prozac em forma humana, e sem direito a parti-lo.

Acho que as crianças de hoje são muito mais infelizes do que nós éramos. Passamos pouco tempo com elas. Exigimos demasiado delas. É a escola, são as actividades extra, é isto e mais aquilo. Quase que precisam de uma agenda. Como não temos o tempo que queríamos para estar com elas, damos-lhe nintendos e PSPs, para se entreterem e estarem quietos. A competividade é-lhes incutida desde os primeiros anos na escola. Como se pode conceber que haja crianças com stress?

O P. é bom aluno. Claro que tento incutir-lhe o sentido de responsabilidade, que tenho de o obrigar a estudar um bocadinho, mas não lhe exijo que tenha de ter sempre bons resultados. Todos temos momentos maus. Uma vez disse-lhe que eu ficava contente quando ele tinha boas notas, porque ele também ficava, porque era bom para ele, blá blá blá, porque o importante era que ele fosse feliz. As crianças registam tudo, e têm um sentido de oportunidade extraordinário. Muito tempo mais tarde, num fim de tarde de domingo, quando finalmente se decidiu a ir fazer os deveres, em vez de ouvir o lápis a escrever, ouço a bola a bater no chão, uma e outra vez. Às vezes perco a paciência... Se não fizeres isso já, não há mais futebol para ninguém!! "Não estou a perceber, Mamã, tu disseste que o que querias era que eu fosse feliz..." Engolir... inteiro!

O meu Prozac tem 8 anos, e como todos os miúdos de 8 anos, acha-se muito esperto (e até é :)). Como todos os miúdos de 8 anos, quer ser como os outros, quer fazer o mesmo que os outros. E quando os amiguinhos lhe dizem que passaram o sábado ou o domingo a jogar PSP e já vão no nível 30, ele não acha piada nenhuma. E eu tenho um bocado de dificuldade em reponder às suas perguntas. Como responder a "Mamã, porque é que tu não és uma mãe normal?" Hããã??? "Tu és normal, Mamã, mas não és bem normal". Isto está a piorar, penso eu. Até estava com algum receio de perguntar porquê, mas lá teve de ser. "Porque só me deixas jogar um bocadinho de PSP e só de vez em quando". Fiquei mais sossegada, mas tive alguma dificuldade em fazê-lo entender. Aos 8 anos as palavras não valem muito. Hoje decidi deixá-lo jogar o tempo que ele quisesse. Começou logo cedo, às 9. Só o entusiasmo na cara dele já me fez rir. Depois do almoço, a pergunta habitual, "que vamos fazer?" Podes ir jogar, P. "já estou um bocadinho farto" Aleluia!!!!! E lá fomos dar a nossa voltinha de bicicleta e lanchar um crepe de chocolate.

O P. nasceu há 8 anos e estamos os dois sozinhos há 6. Não é à toa que o chamo o meu Prozac. Em muitas alturas difíceis da minha vida foi ele que me deu ânimo, que me fez sorrir, que me fez ter vontade de continuar, de lutar, de acreditar. Não há tristeza que ele não cure, com aquela carinha de diabrete disfarçado de anjo, com aqueles abraços que só ele sabe dar.

Às vezes parte-me o coração, com frases como "se não fosses a minha mãe eu era triste. Que bom estares aqui". Que bom TU estares aqui, P.

Acho que poucas coisas conseguem transmitir uma maior sensação de paz do que uma criança a dormir. Às vezes fico a olhar para ele a dormir, tão bonito, tão tranquilo, e começo a pensar com os meus botões como seria a minha vida sem ele. Vazia. Teria o tempo todo para mim, é verdade, poderia fazer o que quisesse, quando quisesse, não teria de abdicar de propostas profissionais excelentes mas que obrigariam a ir para longe ou trabalhar muito mais horas, não teria de voltar a estudar a numeração romana. Mas também não teria esta sensação indescritível de amor incondicional. Não encontraria os desenhos que ele me deixa na carteira, nos bolsos Não teria alguém a dizer-me, e de forma sentida e sincera, és a melhor. Não teria aquela carinha a olhar para mim com o ar mais inocente do mundo quando faz asneiras. Não teria alguém para ajudar a crescer e vê-lo transformar-se num rapaz tão bonito. Não teria alguém que me acha "extraordinariamente o máximo".


E, se calhar por esta altura, já andaria a tomar Prozac, dos outro, que vem em caixas.

8 comentários:

CybeRider disse...

Que maravilha!

Excedeste-te! E não foi no tamanho. Não deixas muita margem para devaneios desta malta, cá deste lado. É uma descrição magnífica da interacção que temos que ter com os nossos filhos.

Revelas um poder de observação que seria útil a muita gente. Fazes-me recordar com saudade outros tempos, que os desafios vão sendo sempre maiores.

Estou a ler o teu texto e a pensar nos pais que não têm argumentos para falar com os filhos, porque são os argumentos que usamos para lhes mostar o que encontrámos no mundo, que servem para os fazer sentir que confiamos neles, que os respeitamos, que temos competência para estar presentes quando eles necessitem. Leio o teu texto, dizia, e concluo que o teu filho tem alguém com essa capacidade fantástica de diálogo e de análise. Antigamente havia mais tempo é certo, mas também os pais tinham menos desafios por um lado, menos esclarecimento por outro. Hoje ainda assistimos a um descartar do papel de muitos pais das suas responsabilidades, preferem resolver outros problemas e relegar os filhos para outro plano. Acham que a escola, a sociedade, sei lá mais o quê, os há-de educar (a tal confusão educar/instruir, coisas bem diferentes). Não que não os amem, mas têm uma filosofia estranha.

(Estou a ver quem escreve "textos que tocam cá dentro, que fazem pensar"...) ;)

Bjk!

Caçador disse...

Pois eu também, o pior é que a adolescência deixa por vezes os pais à beira de um ataque de nervos e, para alguns, lá vem o prozac. Para outros não, é o meu caso, apesar de tudo ainda me serena, me... invade. (e também sei, não lhe digas nada, que aqui o amigo Cybe é um pai babado e à -boa- maneira)
Um bêjo

Dry-Martini disse...

Li um dia que "um filho é uma extensão de pele". Pelo que li, estou certo que saberás sempre ir tacteando, sempre percorrendo os caminhos, por vezes não tão directos dessa pele .)

XinXin

Nirvana disse...

CybeRider, obrigada.
Eu tenho pena dos miúdos de hoje. Quase não os deixamos ser crianças. Claro que em termos profissionais, hoje as coisas são mais difíceis para os pais. Eu deixo-o na escola todos os dias às 8 e vou buscá-lo às 18. Às vezes ainda há os deveres que, por mais que ele não perceba porque é que há deveres se esteve todo o dia na escola, tem de os fazer. Passam mais tempo na escola do que em casa. Se não aproveitar o tempo que tenho para estar (estar a sério) com ele, com a rapidez com que eles crescem, vou perder muito.
Além disso, irrita-me profundamente quando vou por exemplo a um restaurante e vejo os miúdos, à mesa com os pais, agarrados às maquinetas a jogar.
Bjks

Nirvana disse...

Caçador, parece que tens razão.
Era bom que o tempo estacionasse por um tempo e essa adolescência demorasse a chegar! Lá vai a inocência, a magia... enfim, numa palavra a infância.
E lá começo eu a ficar cota e a parecer cota...
Bjk

Nirvana disse...

Martini, não conhecia essa expressão. Mas é isso mesmo. É uma extensão da pele, é a nossa própria pele, é uma parte de nós.
Vou tentando...mesmo correndo o risco de não ser muito normal...
XinXins

Unknown disse...

OLá Na.....
Finalmente consegui descobrir o blog! ;). Graças ao Prozac. Não conheço mais ninguém que chame Prozac ao filho. Ao ler o resto dos textos comprovei que só podias ser tu.
Parabéns. Muito bom.
Beijinhos e Abraços

Anónimo disse...

Para não me repetir, vou dizer apenas extraordinário. Feliz o filho que tem uma mãe assim.