Já não escrevo ao Pai Natal há muito tempo. Como não faz mal ser criança de vez em quando, em resposta ao desafio da Sonhadora, vou ver se ainda sei como se faz.
Esta minha carta para ti, não é bem uma carta. É mais um pedido de esclarecimento. Dizem por aí que tu não existes. Era capaz de jurar que existes, mas com tanta gente a dizer o contrário, fico com dúvidas. Já tenho esta dúvida, e mais algumas também, há bastante tempo.
Quando era pequenina, escrevia ao menino Jesus, mas eras tu que trazias as prendas. Não percebia muito bem isto, mas como o menino era tão pequenino, compreendia que precisava de ajuda. Eu escrevia para ele e ele passava as encomendas, porque as crianças não devem trabalhar. Tinha lógica. Na véspera de Natal, não ia dormir sem contar rigorosamente quantas rabanadas havia na mesa, sem tirar as medidas ao bolo-rei e à garrafa de vinho do Porto. Nunca percebi porque é que a minha Mãe não me deixava nunca acabar de contar os pinhões. Não devias gostar, se calhar. Durante a noite, lutava como podia contra o sono, sempre à espera de ouvir o trenó. Ouvi-o algumas vezes, disso tenho a certeza. Na manhã do dia de Natal, não me atrevia a ir à cozinha sem primeiro verificar que havia menos uma ou duas rabanadas ou que o bolo-rei estava mais pequeno. Era sinal que tinhas passado por ali e tinha uma prendinha à minha espera.
Não percebia porque é que todos os anos pedia uns sapatos cor-de-rosa e eles nunca chegavam. Primeiro achei que não tinha dito o meu número na carta, mas depois tive o cuidado de o mandar. Mesmo assim, cor-de-rosa, nem vê-lo. Mas tinha uma explicação. Devia portar-me sempre bem, e isso nem sempre acontecia. No ano em que comi os berlindes do meu irmão, seria justificado, apesar de ele me ter arrancado os braços, as pernas e as cabeças às bonecas. Está certo que não brincava muito com elas, mas não mereciam tal sorte. No ano em que estraguei o vestido da minha mãe para fazer uma bandeira, também. Afinal, o vestido era novo, mas precisava mesmo daquele tecido, daquela cor, para fazer a bandeira. Além disso, o modelo que ficou podia ser assinado pela Fátima Lopes. Fosse hoje e teria um prémio. Nos outros anos, não me lembro de coisas graves, mas devo ter feito coisas que não devia, o que justificava a ausência dos sapatos cor-de-rosa. Talvez ficassem bem com os vestidos que a minha mãe me queria vestir e eu não deixava. Talvez a tinta cor-de-rosa tivesse acabado. Devia haver muita gente a pedir coisas cor-de-rosa.
Agora, já não quero sapatos cor-de-rosa. Confesso que me dava muito jeito existires, não só para me aliviares um bocadinho das compras que tenho de fazer, mas porque podia também pedir o que eu quero. Não são muitas coisas, mas não são fáceis de encontrar, porque não se vendem nas lojas. Tu sabes o que eu quero. O mesmo que pedi noutros anos. Continuo a repetir os pedidos. Se não for possível melhor, pelo menos um ano como este. Para o ano posso sempre repetir os mesmos pedidos. Tens ouvido alguns, eu sei, e o facto é que a lista vai diminuindo.
Continuo à espera que me digas que existes. Estranho como as pessoas não acreditam! Não acreditam e não vêem que existes, em cada um de nós. Talvez porque começaram a ver só a parte do Pai Natal que dá prendas. Esqueceram-se que dás as prendas que fazes. Esqueceram-se que mais importante que as prendas, as muitas prendas, está o que damos sem ser comprado, o que não quer dizer que não possa ter uns laçarotes para ajudar a colorir a vida. Laços de união entre as pessoas, laços de carinho, laços de preocupação para com o outro, laços de amizade. Esqueceram-se que não podemos só esperar isso dos outros, também temos de dar. Esqueceram-se que o Pai Natal recebe sempre um sorriso, seja das crianças, seja dos adultos. Esqueceram-se que Natal significa nascimento.
Não precisas de me responder, Pai Natal. Deves estar atarefado nesta altura, ou talvez triste por não acreditarem em ti. Mas tenho a certeza que não vai ser por isso que não vais aparecer este ano.
Recebe muitos beijinhos
Nirvana
PS- Já agora, podias dizer-me se o meu Prozac acredita no Pai-Natal, naquele que vive na Lapónia? É que eu acho que ele anda a tentar convencer-me que acredita, com a conversa de que vimos a casa do Pai Natal, e aquela mesa tãããõoo alta, para eu não ter coragem de não lhe dar aquele jogo que ele quer.
14 comentários:
Bela carta ao Pai Natal! Fiquei com um sorriso no rosto. Obrigado :)*
Existe, existe!
Li algures se bem recordo:
- Começamos por acreditar no Pai Natal.
- Deixamos de acreditar no Pai Natal.
- Acabamos por SER o Pai Natal.
É um processo complexo de metamorfose, mas lá que existe, que não se negue!
_______________
Já agora, preciso de dizer que gostei muito do texto?... Devias ser "fresca"... Pelo "se te portares bem" o coitado do velhote havia de fugir da tua chaminé como o demo das cruzes!
:)))
Beijinho
Olá bom dia!
Obrigada pelo teu comentário, é mesmo verdade!
Obrigada por aceitares o desafio, a tua carta está muito bonita e espero que o Pai Natal te traga tudo o que desejares!
Uma beijoca grande e Feliz Natal!
Eu acredito e adoro acreditar. E acho que se perde tanto, no momento em que se deixa de acreditar.
Um Feliz Natal para ti e para a família :)
Eu acredito, lol!...
Beijinhos e... Feliz Natal!...
Feliz Natal! bjs
Comeste os berlindes??? LOLLL
Isso explica muita coisa....lolll
Espero que continues a acreditar no Pai Natal, porque eu também acredito.
JFDourado
Obrigada eu ;).
Espero que ele tenha gostado e me traga o que pedi!!
Beijinhos
Cybe
Eu acho que existe, sim! Essa metamorfose não podia estar mais bem descrita!
:))) Eu era bem comportada... a maior parte do tempo ;).
Beijinhos
Sonhadora
Espero que o espírito do Natal tenha chegado aí.
Espero também que ele se lembre de trazer algumas das coisas que pedi!
Algumas bem podiam vir com juros, ao tempo que as espero!
Beijinhos
Kika
Eu acredito, ele existe sim.
Acho que se chama a isso crescer, mas se pudermos manter a magia, ele continuará a existir.
Beijinhos
Libelinha
Ainda bem que não sou só eu!
Beijinhos
(pediste gafalinhos?)
Trintão
Espero que tenha sido um excelente Natal
Beijinhos
MissC
Comi, pois. :). Hoje não teria essa coragem.
Temos de continuar a acreditar, não nele como em muitas outras coisas, apesar das evidências em contrário, ou tudo ficará muito cinzento.
Beijinhos
Enviar um comentário