sábado, 31 de outubro de 2009

Dia Familiar da Zanga


Eu ADORO a minha mãe. Apesar dos seus 68 anos, é uma força da natureza. Sempre foi. Não me esqueço, por um minuto que seja, que se hoje tenho o que tenho, que se hoje sou o que sou, devo-o ao facto de ela e o meu Pai me terem proporcionado as oportunidades para tal. Viveram em função dos filhos. Completamente.  Telefono-lhe todos os dias. É com ela que desabafo muitas das minhas histórias. É a ela que muitas vezes vou buscar conselhos.

Desde que me conheço como adulta, nunca discutimos. Discordamos em algumas coisas, ela é teimosa que mete dó (ou não fosse carneiro), mas conseguimos sempre conversar, sem discutir. Excepto em relação a dois assuntos: a minha paixão por calças de ganga e o dia 1 de Novembro.

O assunto calças de ganga é de fácil resolução. Até consigo entender que, no conceito de bem-vestir da minha mãe, as calças de ganga não ocupem um lugar de destaque. Não me custa nada fazer-lhe a vontade e, quando vou passar o fim de semana ou uns dias lá ao fim do mundo, levar outra coisa para vestir se sair à rua. Sei que ela fica contente, e até o faço com muito gosto.

O dia 1 de Novembro é pior. Já sei que todos os anos nos zangamos nesta altura, e este ano não foi excepção. Vou instituir o dia 30 de Outubro como o DFZ - Dia Familiar da Zanga. "Este ano vens cá?" "Já sabes que não, mãe." etc, etc, etc. Todos os anos se repete a mesma conversa. Depois fico a sentir-me mal, porque sei que estou a ser egoísta, mas simplesmente não consigo. A procissão aos exibicionismos. Não sei o que se passa nos outros sítios, mas lá no fim do mundo é assim o dia 1 de Novembro. Passar o dia a passear as roupas novas, ver quantas flores estão aqui ou ali, aproveitar para dizer que aquele isto e aquela aquilo, virem lambuzar-me a cara com beijos e mais beijos. Alergia pura, que não consigo vencer.

Tenho saudades do meu Pai todos os dias. Não vou lá neste dia, mas ele está comigo sempre. Aliás, não só sou parecida com ele fisicamente, como muitas das minhas atitudes transmitem princípios e posturas que apreendi com ele. Recordo tantas e tantas coisas com ele! Desde miúda, em que brincávamos aos piratas, em que estava sempre mortinha que ele chegasse porque me dava mais mimo do que toda a gente. Só ele me conseguiu acalmar uma vez em que decidi dar banho a uma boneca que eu adorava e ela se desfez toda. Até que cresci, os papéis se inverteram e fui eu a tomar conta dele quando ficou doente. Guardo, e guardarei para sempre uma das últimas frases que ele me disse, e tento fazer dela o meu lema de vida. Amo-o de todo o coração, mas não consigo ir lá neste dia. Se calhar devia ir, devia ultrapassar isto. Quem sabe um dia... para já não. Não consigo ir fazer sala e conversar toda a tarde coisas que não interessam a ninguém, só porque parecia bem. Que me achem uma filha desnaturada, não quero saber.

Agora já sei, durante uma ou duas semanas a Dona V. vai andar zangada e a responder por monossílabos...
- Olá, mãe! :)
- Olá.
- Estás bem?
- Sim.
- A tia já foi ao médico?
- Sim.
- Que disse ele?
- Pergunta-lhe a ela.
(respirar fundo)
- Vou aí no próximo fim de semana :)
- Tu é que sabes.
- (ai ai ai, volta, Dona V., que eu estou perdoada!)