Neste momento, em Tóquio são 00,40h da manhã, de amanhã. Se tivesse nascido lá, e ainda morasse lá, já estaria a começar um novo dia, em vez de estar a acabar hoje. Seria 7h mais velha (se calhar não, ;)), teria uns olhos mais rasgados, muito provavelmente cabelo escuro, liso, liso, comeria mais sushi, falaria a cantar, seria mestre em artes marciais e teria um telemóvel xpto.
Em Addis Ababa, são 00.40h. Aqui, muito provavelmente estaria a pensar em como ia enfrentar o dia seguinte, como iria arranjar comida para esse dia, como iria arranjar força para não chorar quando o meu filho me pedisse comida e eu não tivesse nada para lhe dar.
Em Cabul, são 04.10h. Aqui, provavelmente teria a minha casa destruída. A memória dos tiros, o terror da incerteza do amanhã, afastariam o sono. Ir ao mercado e voltar inteira seria considerado sorte.
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Não enlouqueci, pelo menos, acho que não, embora a minha opinião não seja completamente imparcial.
Uma das frases preferidas de uma amiga minha é "nada acontece por acaso". Então, digo eu, tudo acontece por um motivo, ou será por um acaso? Será sorte? Será azar?
Somos os responsáveis pela nossa vida, pelas opções que tomamos, pelos caminhos que escolhemos, pelo que fazemos, pelo que não fazemos, pelo que dizemos, pelo que calamos. Aqui, o acaso não é convidado. Nem o azar deve servir de desculpa para os nossos fracassos. Mas por vezes vemo-nos em situações que não escolhemos, que não procuramos, que simplesmente surgem, por acaso, obrigando-nos a escolher um caminho no meio de muitos.
A sorte, essa, é para mim uma incógnita. Tem-se ou constrói-se? Um pouco das duas, acho eu. Há quem diga que temos duas vidas, a que nos dão e a que podemos fabricar. Concordo. Dentro do que nos é permitido fazer. Que hipóteses teria eu se tivesse nascido num campo de refugiados em África? Até podia ser inteligente, ter talentos infindáveis. Até podia, se tivesse nascido noutro lugar, desenvolvê-los em várias áreas. Ali, teria de os aplicar em arranjar maneira de ter alguma comida no estomago. De que me valeria isso se não tivesse opções? "Sem a ocasião, o talento e a virtude são inúteis."
Porque nascemos num determinado lugar, numa determinada família? Começa logo, nesse momento em que nascemos, ou melhor, até antes de nascermos, a nossa sorte. Aqui, não temos a menor influência. E pode determinar toda a nossa vida. Mesmo nesta "simples tarefa" de ser quem sou, não posso dizer que a sorte não tem nada a ver com a minha vida. Não me posso sentar à sombra da minha sorte e esperar que tudo venha ter comigo. A sorte pode-se criar, sim. A boa sorte pode depender de mim. Criar boa sorte consiste em criar circunstâncias. Ensinar à sorte o caminho até minha casa.
Acho que cada um de nós tem a sua bagagem pessoal, chamemos-lhe sorte. A essa, temos de lhe somar a influência de coisas pré-determinadas, chamemos-lhe destino, karma,... E, finalmente, a influência do imponderável, o imprevisto, o acaso, o azar.
Somos, sem dúvida, os grandes responsáveis por tudo o que nos acontece, mas não acho que sejamos os únicos causadores. Há circunstâncias que não podemos prever, que não podemos controlar. Muitas vezes a vida é um totoloto. E é preciso ter sorte, sim. Mesmo para ter azar é preciso ter sorte!